domingo, 31 de julho de 2011

Apresentação da Conferência de Margaret Archer no XV Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia

Frédéric Vandenberghe e Margaret Archer em Curitiba


Por Cynthia Hamlin

Em nome da SBS, gostaria de agradecer a presença da prof. Margaret Archer na 15º edição do Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia. Uma das principais representantes da teoria sociológica britânica contemporânea, a prof. Archer sempre demonstrou um grande interesse em estabelecer um diálogo com os sociólogos brasileiros, ainda que o falecimento de sua mãe, na véspera de sua conferência na última edição deste Congresso, impedisse que este diálogo tenha ocorrido neste fórum anteriormente. É, portanto, com grande satisfação, que lhe dou as boas-vindas.

Após cerca de 30 anos como professora de sociologia na Universidade de Warwick, Reino Unido, Margaret Archer mudou-se recentemente para a Suíça, onde dirige o Centro para Ontologia Social na Escola Politécnica Federal de Lausanne. Primeira mulher a presidir a Associação Internacional de Sociologia (entre 1986 e 1990), é co-diretora do Centro de Realismo Crítico, organização que deu origem à Associação Internacional de Realismo Crítico com o objetivo de promover a filosofia e a teoria realistas das quais ela, juntamente com Roy Bhaskar, Tony Lawson, Andrew Sayer, William Outhwaite, dentre outros, é uma das principais representantes. Sua vasta obra inclui mais de 70 artigos e capítulos de livros, além de um conjunto de 6 livros principais voltados para o desenvolvimento de sua própria abordagem teórica, a abordagem morfogenética, na qual procura integrar as influências mútuas da estrutura social, da cultura e da agência humana na explicação dos fenômenos sociais.

Dona de um estilo elegante e um tanto irônico - o inferno de seus tradutores para as línguas latinas - desde o final dos anos de 1970 vem desenvolvendo uma abordagem original para aquilo que ela, nas palavras de Ralph Dahrendorf, define como “o fato vexatório da sociedade”: o de que as pessoas moldam a sociedade ao mesmo tempo que são moldadas por ela no processo de modifica-la ou reproduzi-la, individual ou coletivamente. Ao lado de autores como Anthony Giddens, de cuja teoria da estruturação efetuou uma crítica devastadora, elegeu a relação agência-estrutura como um dos principais problemas da teoria social, um problema que, para ela, é parte de uma questão ontológica mais ampla: em que medida a sociologia deve endossar uma ontologia estratificada segundo a qual estruturas e as pessoas consistem em tipos distintos de agentes, com propriedades e poderes também distintos e irredutíveis uns aos outros.

Esta ontologia, desenvolvida em dois livros distintos (Culture and Agency, de 1988, e Realist Social Theory, de 1995) foi, em larga medida, informada pelo realismo transcendental de Roy Bhaskar. De acordo com esta abordagem, tanto a cultura quanto a estrutura social são concebidas como fenômenos objetivos, relativamente independentes das representações dos indivíduos presentes aqui e agora, e cujas propriedades sistêmicas são acionadas, elaboradas e modificadas nas interações entre indivíduos e grupos.

No pólo da agência, seu Being Human, de 2000, pode ser considerado não apenas uma forma de resistência ao imperialismo sociológico e sua tendência de representar os seres humanos em termos exclusivamente sociais, mas também daquelas vertentes pós-modernas relacionadas à morte do sujeito, considerando-o uma mera posição no discurso.  Contrariamente a isso, seu agente humano é concebido em termos de uma subjetividade, ou de uma vida mental interior e privada, que o torna capaz de reflexividade. A ideia de reflexividade, concebida em termos de uma “conversação interior” que ocorre privadamente em nossas mentes, adquire uma dimensão central, pois é ela que nos permite deliberarmos acerca da relação entre as nossas circunstâncias sociais e o conjunto e ordenamento de preocupações que nos torna seres humanos únicos.

Os mecanismos por meio dos quais as estruturas sociais são mediadas pela agência humana são estabelecidos em Structure, Agency and the Internal Conversation (2003). Aqui, Archer desenvolve uma tipologia básica e não exaustiva dos tipos reflexivos: reflexivos comunicativos, reflexivos autônomos, metarreflexivos. Por meio de diferentes formas de reflexividade, os agentes humanos examinam suas preocupações pessoais a partir de suas circunstâncias sociais e avaliam suas circunstâncias a partir de suas preocupações, estabelecendo o papel da reflexividade na mediação entre propriedades e poderes subjetivos, relativos aos agentes, e propriedades e poderes objetivos, relativos às estruturas sociais.

Mas os diferentes tipos de reflexividade não geram as mesmas consequências em termos internos (individuais) e externos (sociais), reforçando sua tese principal de que estruturas e agentes não podem ser reduzidos uns aos outros. Em Making Our Way Through the World: Human Reflexivity and Social Mobility (2007), ao investigar a relação entre diferentes práticas reflexivas e padrões individuais de mobilidade social, a professora Archer demonstra que a reflexividade comunicativa é internamente associada à imobilidade social, a reflexividade autônoma à mobilidade ascendente e a metarreflexividade à volatilidade social ou à mobilidade lateral. Externamente, os reflexivos comunicativos contribuem para a estabilidade social e para a integração; os reflexivos autônomos para o aumento da “produtividade social”; os metarreflexivos, para o desenvolvimento de valores contra-culturais que desafiam a comodificação e burocratização das relações humanas.

Seu último trabalho, The Reflexive Imperative (no prelo), assume a forma de uma reflexão sobre a maneira como mudanças em direção a um sistema global vêm distanciando a ordem social dos parâmetros estabelecidos pela modernidade, alterando não apenas a própria reflexividade dos agentes, mas amplificando processos morfogenéticos segundo os quais a variedade gera mais variedade. Os mecanismos nos níveis micro, meso e macrossociais por trás dessas mudanças constituem o cerne de seu projeto atual, desenvolvido no Centro de Ontologia Social, em Lausanne.  É sobre um desses mecanismos, a dinâmica dos processos de construção de identidade na sociedade morfogenética, que ela falará hoje. Desejo a todos um debate produtivo.

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