sexta-feira, 23 de agosto de 2013

ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO



Marina Félix de Melo

O Índice de Desenvolvimento Humano (ou IDH) foi criado por Mahdub ul Haq e Amartya Sen, em 1990. A parceria entre o ex-Ministro da Economia do Paquistão e o celebrado economista indiano produziu esse importante instrumento de análise do desenvolvimento e da desigualdade sociais. Retomando uma importante vertente ética do liberalismo para o campo da economia, Sen é particularmente conhecido por sua defesa do desenvolvimento das capacidades humanas como elemento fundamental da própria possibilidade de liberdade – e por sustentar que a desigualdade entre grupos sociais não pode ser pensada apenas a partir de suas respectivas rendas, ou seja, a partir de um critério de estratificação financeira. Adotado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) desde 1993 como instrumento de mensuração do desenvolvimento humano ao redor do mundo, o IDH estrutura-se em três dimensões: longevidade; acesso ao conhecimento e padrão de vida. O segundo desses itens, por seu turno, é subdividido em: taxa de alfabetização de adultos e taxa de escolarização bruta. Essas três dimensões buscam sintetizar aspectos interpretados pela ONU como básicos ao desenvolvimento social: saúde, educação e renda.

A grande tentação neste ponto é criticar o uso de indicadores quantitativos para as ciências sociais, apontar suas limitações técnicas, bem como amplamente metodológicas. Como afirmar, por exemplo, que longevidade representa saúde? Ora, ela é apenas um possível indicador da saúde, interessante e importante parâmetro, mas não exclusivo. Dizer que em 2010 a expectativa de vida em Manari (Sertão de Pernambuco) era de aproximadamente 66 anos não nos diz muito acerca de como se vive e em que condições de conforto físico-mental se chega até essa idade. Igualmente, a longevidade é uma casa de medição alcançada por média aritmética, que consiste em somar tudo e dividir pelo número de casos. Este procedimento não suspende as ocorrências de “outliers”, que são os resultados extremos encontrados nas pontas da distribuição numérica de análise. Quanto ao quesito educação, sua avaliação leva a questões ainda mais delicadas que a medição da longevidade. Na Inglaterra, por exemplo, chegou-se a adotar como critério para aferir analfabetismo funcional saber ou não usar um forno micro-ondas e um aparelho de DVD. Um critério como este seria significativo para avaliar a alfabetização funcional de alguém que more, por exemplo, no sertão de Pernambuco? (tomemos o exemplo de Manari - IDHM1 de 0,487 em 2010 -, analisado por Fabiana Moraes em matéria de 18 de agosto de 2013 no Jornal do Commercio). Numa suposta comparação entre os resultados do IDHM de Manari e Londres, por exemplo, essas diferenças deveriam ser consideradas.

O IDH também não especifica os limites do que considera alfabetização. No Brasil, o PNUD utiliza dados colhidos pelo IBGE, que tem a alfabetização como auto declarável, e isso pode esconder o exemplo do analfabetismo funcional. Mais que isso, algumas pessoas que respondem ser alfabetizadas podem estar simplesmente dando uma resposta à dificuldade de reconhecerem o próprio analfabetismo diante do recenseador. Outro ponto é a escolarização bruta, medida em anos de estudo. Diante da qualidade do ensino oferecida por algumas instituições, esses dados podem esconder mais que revelar. Anos de escolaridade, igualmente, não indicam a quantidade de horas atribuídas a atividades educacionais (horários integrais e aulas esporádicas semanais são fenômenos distintos), tampouco responde sobre a qualidade da educação. Por fim, o fator renda. A renda utilizada no IDH é a renda per capita, isto é, o PIB (produto interno bruto) dividido pelo número de habitantes. Tal medida, como toda média aritmética, é pobre por ocultar um dado importante de estratificação social: a concentração de renda2.

O cálculo do IDH também não pondera suas dimensões analíticas. Eis um dos principais impasses sobre o indicador que não deveria apenas selecionar “arbitrariamente” as variáveis que o compõe, mas também, saber que peso cada uma destas “mereceria” na fórmula. A partir desta caracterização mais geral, pensemos em alguns outros recortes do IDH. Sua fórmula vem sofrendo adaptações a cada ano, adaptações matemáticas. Por exemplo: passou da utilização de média aritmética simples para média aritmética ponderada e, depois, para média geométrica, Assim, os indexadores que compõem sua fórmula geometrizam as médias antes destas serem divididas. Em termos “empíricos”, isto quer dizer que o suposto baixo rendimento de uma das dimensões não é mais linearmente compensado por outra dimensão supostamente elevada. Um ponto interessante do IDH é que seu resultado é uma grandeza adimensional, ou seja, já que procura comparar resultados, coeficientes, tem a magnitude de valores padronizada numa unidade, já que sua fórmula é posta dentro de uma raiz cúbica:­


Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano, PNUD, 2013.

Se pensamos no IDH, na sua utilização clássica de comparação entre países, ajustamos alguns pontos. Existem diferenças entre os institutos de pesquisa de onde são extraídos os dados. Dizer que o IBGE no Brasil tem a mesma administração de controle dos dados que INE em Portugal, seu equivalente, já seria uma aposta muito alta. Agora, imaginemos isso em esfera global. Alternativas educacionais e contextos culturais configuram um problema para bases comparativas como um todo. O erro mais comum que encontramos nas citações da mídia sobre resultados de IDH é a comparação entre resultados de diferentes anos. Vejamos: cada resultado, disposto em listagem, deve ser analisado em comparação e, unicamente, com a lista em que se aloca. O resultado do IDH varia entre 0 e 1 (melhorando em medida crescente). Dizer que um país X melhorou de um ano para outro porque seu coeficiente pulou de 0,75 para 0,78 em alguns anos não faz sentido. A fórmula vem sofrendo alterações a cada coleta, como já mencionamos e, não apenas isso, mas também, os resultados brutos só fazem sentido quando considerados o restante da lista, nomeadamente os resultados superiores ao do país em análise. Nem todos os países fizeram/fazem parte de todas as listas publicadas pelo PNUD. A Alemanha, por exemplo, não era contabilizada até poucos anos e, quando entrou no ranking, sem muita surpresa, ocupou as primeiras posições mundiais no Índice de Desenvolvimento Humano, mexendo com os resultados de posição dos países “abaixo” de si. Dizer que uma nação esteve em 30º lugar só faz sentido se a lista não tiver alteração dos elementos de análise até o 29º elemento. Por outra mão, a lista mundial tende a ficar cada vez mais completa e homogênea no que, salvaguardando às readaptações da fórmula, poderemos ter mais possibilidades interpretativas do ranking daqui certos anos. Em 2011, o Brasil ocupava a 84º posição na temida lista, numa pesquisa que considerou 187 países (18 países a mais do que a listagem anterior).
Aparte às limitações esboçadas, o IDH é o principal indicador social de que dispomos, a compor uma definição de desenvolvimento humano via as três dimensões observadas. É parcimonioso quanto ao número de variáveis que utiliza, sendo estas de fácil acessibilidade, bem como permite a comparação entre diferentes países e regiões por lista divulgada. Em julho de 2013 tivemos pública a lista de IDH-M no Brasil, que é o Índice de Desenvolvimento Humano por Municípios, calculado a partir de dados desagregados (cedidos pelo PNAD-IBGE). A vantagem do olhar sobre os dados desagregados é que o índice geral de um país tende a esconder suas particularidades, os diferentes níveis de cada região. Os dados desagregados podem ser selecionados com relação à renda, grupo racial e/ou étnico, gênero etc.
Alagoas obteve o menor Índice de Desenvolvimento Humano entre os estados do País, com o resultado de 0,63 numa escala de 0 a 13. A média nacional é de 0,71. Concentremo-nos neste Estado. Ao observarmos o Índice de Gini de Alagoas, notamos que este também é pior do que a média nacional. Numa escala de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, mais desigual é a amostra), o Gini (2010) do Brasil é de 0,59, enquanto o de Alagoas é de 0,63 (coincidentemente, o mesmo coeficiente de seu IDH).
Mais grave é quando desagregamos os dados dentro do Estado. A capital Maceió tem um IDH-M na grandeza de 0,72, o que não surpreende, posto ser a cidade onde se localiza a elite política financeira local, concentradora da renda e dos acessos à educação e à saúde em cerca de cinco bairros litorâneos, os cartões postais do turismo. O problema social pesa neste espaço entre o 0,72 de Maceió e o 0,63 de Alagoas. Cidades destacadas no Estado têm resultados que valem a pena mencionar: Porto Calvo (0,58); Penedo (0,63); Marechal Deodoro (0,64) e; Arapiraca, onde está parte da Universidade Federal de Alagoas (0,64). E, além destes municípios de destaque, passamos por resultados ainda mais deprimentes, como o da cidade de Olho D’água (0,50). Alagoas tem cinco municípios entre os piores do Brasil no que se refere a tais resultados. (PNUD, 2013).
Se compararmos Maceió a demais capitais da região Nordeste, vemos que o 0,72 da cidade fica abaixo das vizinhas fronteiriças Aracaju e Recife (0,77), ou de Fortaleza e Salvador (0,75). Voltemos aos níveis estaduais: realizamos o que em estatística habitua-se chamar de análise de clusters, que nada mais é do que a separação dos resultados estaduais em grupos de homogeneidade. Com os resultados do IDH-M de 2013, temos um primeiro grupo composto apenas pelos estados de São Paulo, Santa Catarina e pelo Distrito Federal (0,82 grupo). O segundo grupo é formado por estados diversos do centro-oeste, sudeste e sul, salva raras exceções, como o Amapá (0,78 grupo). O terceiro grupo concentra os estados do Norte e Nordeste (0,63 grupo). Logo, nota-se que o discurso de que o Nordeste tem “crescido” exponencialmente nos últimos anos prende-se ao fato de que as demais regiões também não são unidades estanques, no que o dinamismo de desenvolvimento nacional e regional ainda marca fortes diferenças entre as regiões, não apenas por termos segregado estes estados em três grupos mas, infelizmente, pela diferença substancial dos resultados entre eles.

Referências:

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) (2010), Relatório de Desenvolvimento Humano. http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2010_PT_TechNotes_reprint.pdf

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) (2013), Índice de Desenvolvimento Humano por Município. www.ibge.gov.br



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1 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal.
2 Já existem tentativas interessantes de um IDH ajustado à desigualdade, o IDHAD (Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade), mas ainda em estágio relativamente embrionário de aplicação. Para isso, buscou-se adequar a fórmula do Índice de Gini (Índice que mede a estratificação social) à fórmula do IDH. Entretanto, percebeu-se o impacto da vulnerabilidade da fórmula de Gini, criada a partir da curva de Lorenz que tem pouca sensibilidade matemática. Para se notar a diferença entre uma realidade e outra a partir do Índice de Gini é preciso que a realidade tenha mudado substancialmente - cada centésimo do Gini corresponde à demasiada alteração entre as sociedades estudadas. (Relatório de Desenvolvimento Humano, 2010, p. 227).

3 O Brasil tem cerca de 12% de taxa de analfabetismo. O estado de Alagoas tem 24%, isto é, o dobro do problema nacional.

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