sábado, 1 de agosto de 2009

"Deixe sua mensagem após o sinal": telefonia celular e novas formas de sociabilidade (parte 2)




Jonatas Ferreira e Marcia Longhi

Essa 'acessibilidade total' impõe criarmos regras de etiqueta que nos permitam administrar de forma minimamente competente o esborramento das fronteiras entre vida pública e vida privada que tal acessibilidade passa a acarretar. Saber o que é íntimo, pessoal, subjetivo, e o que é público e objetivo fez parte da boa educação para a modernidade – educação afetiva, profissional, existencial. Homens e mulheres modernos foram educados para não ter grandes dúvidas no que diz respeito ao que seria conveniente em um e outro espaços. Porém, as tecnologias de informação e comunicação como um todo, e a telefonia celular, de modo particular, têm nos confrontado com situações que nos fazem refletir sobre a fragilidade desta delimitação. Inúmeros exemplos poderiam ser dados e certamente alguns deles lhe pareceriam familiar. Para citar um, conto o que presenciei há alguns dias: assistia pela televisão um programa de entrevistas pouco convencional. De repente, ouve-se o som de um celular, o apresentador prontamente atende e vai logo dizendo “oi amor...estou no ar...daqui a pouco eu ligo para você...”.

Algumas destas regras já fazem parte de manuais ‘de disciplinamento de atividades coletivas’: o aluno que vai fazer uma prova deve deixar seu celular desligado, ou no modo silencioso; no cinema, antes que o filme inicie, somos lembrados – muitas vezes de forma original - a desligar nosso aparelho celular (claro que sempre há os ‘transgressores’ e no meio do filme, vira e mexe, ouvimos um sussurro “estou no cinema...” - mas as transgressões também fazem parte da efetivação da regra, como nos lembram Schmitt, Benjamin e tantos outros); uma lei foi criada para coibir o uso do celular enquanto dirigimos – mas, se você conseguir manter as duas mãos no volante, ainda pode, pela nossa legislação, mandar mensagens de texto através dele (não o faça!). Enfim, trata-se de situações que há vinte anos atrás não eram nem imaginadas e nem presentes em determinações legais.

A telefonia móvel também significou a possibilidade de um maior controle da vida dos indivíduos. Um profissional pode ser localizado a qualquer hora de seu dia e em qualquer local – caso desligue seu telefone por alguma conveniência, ouvirá posteriormente alguma questão acerca do motivo pelo qual esteve incomunicável ou terá de responder a chamadas não atendidas. E algo semelhante pode ser dito acerca das relações familiares. É inegável que o celular dá uma certa sensação de controle aos pais e mães de filhos adolescentes, pois possibilita que eles sejam localizados rapidamente, estejam onde estiverem. Ao menos, isso é o que muitos de nós imaginamos. Esse suposto controle não quer dizer maior tranqüilidade, uma vez que a possibilidade de seu exercício traz sempre consigo novas e maiores ansiedades acerca de sua eficácia. Em todo caso, diante da violência urbana atual, esta possibilidade representa algo que em geral consideramos desejável. E é claro que transformar o telefone celular em mecanismo de GPS (global positioning System) pode ser associado ao desejo de cuidar.

A delimitação entre o cuidado e o controle, todavia, mostra-se difícil de ser realizada. Os jovens nem sempre querem ser localizados e isto não é, a priori, negativo. Em nossa sociedade, autonomia e independência são comportamentos estimulados e indicativos de amadurecimento. E onde existe dispositivos de poder, forjam-se inevitavelmente mecanismos de contra-poder. Alguns exemplos. Manter o celular desligado, e depois dizer que estava descarregado; dizer que esqueceu o telefone no modo silencioso; deixar o celular com o amigo, que ficou na escola assistindo a aula a que você deveria assistir, para evitar o monitoramento - de celulares que dispõem de mecanismo de localização.

Muitas estratégias são criadas para burlar a possibilidade de controle e sair, livremente, para pequenas ou grandes transgressões, mas quem, hoje, pode deixar de incluir o celular quando o tema é conflito de gerações? Se falamos do controle coercivo por parte da sociedade e moral, nas questões disciplinadoras, não podemos, na contemporaneidade, deixar de fora o controle tecnológico, entre eles o aparelho celular. O curioso é que quando se fala hoje de disciplina, controle, mobilizando quase sempre Foucault, Deleuze e alguns teóricos da Escola de Frankfurt, nunca se dá devida atenção a esse primo pobre das tecnologias de informação e comunicação – sempre estamos mais dispostos a falar de câmaras de vigilância, satélites e mesmo a Internet. Em todo caso, chamar a telefonia móvel de primo pobre das TICs é só força de expressão diante da tendência à convergência tecnológica que hoje percebemos com muita clareza. O celular já não é apenas um telefone, mas um espaço onde podemos jogar, uma máquina fotográfica, uma agenda, um notebook etc.

(Continua)

2 comentários:

Sandra Costa disse...

é a 'mudernidade'.
e a tecnologia celular está longe de ser ultrapassada, apesar de tantas outras já a terem superado.

Le Cazzo disse...

Eita, Sandra! A gente escreveu "mudernidade" em alguma parte do texto?!! Vou fazer uma busca para ver se cometemos o equívoco. De qualquer forma, obrigado pela visita. Abraço, Jonatas