domingo, 19 de setembro de 2010

E por falar em meios de comunicação de massa...



Cynthia Hamlin

Atribuir a especialistas frases nunca ditas a fim de justificar as opiniões particulares dos jornalistas parece estar se tornando tradição entre alguns veículos de comunicação. O caso recente mais gritante ocorreu na matéria “A farra da antropologia oportunista” (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), onde se atribui ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro a seguinte frase: “Não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente cultural original”. Qualquer pessoa que conheça minimamente o trabalho de Viveiros de Castro (ou de qualquer antropólogo!) sabe que, em sã consciência, ele jamais afirmaria tal barbaridade.

Pois hoje o jornalista Rafael Dias, do Diário de Pernambuco, fez algo semelhante ao atribuir a Silke Weber, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, a seguinte afirmação: "O dado que tenho é que já são 50% do total de inscritos no vestibular da UFPE provenientes de escola pública. Obviamente que a escola pública não tem a qualidade da particular, mas já existem iniciativas de programas pré-vestibular que estão melhorando essa situação" ("Quem tem mais chance de entrar na faculdade?". Caderno C4, Diário de Pernambuco, Recife, domingo, 19 de setembro de 2010).

Abaixo, a resposta de Silke:

Prezado Rafael,

Com muita estranheza li o que me atribuiu na conversa telefônica a respeito da origem social dos estudantes da UFPE na matéira intitulada Quem tem mais chance de entrar na Faculdade? publicada no Caderno Vida Urbana - C4... Em nenhum momento falei que a escola particular era melhor do que a pública e nem referi-me a pré-vestibular do modo como escreveu... Não reconheço, portanto, como minha a citação feita na matéria que produziu e, desse modo, solicito que a sua interpretação pessoal seja imediatamente corrigida.

O que falei foi:

1. que é sabido que alunos da escola pública têm menos chance de aprovação no vestibular até porque, infelizmente, ainda hoje nem todos têm direito, sistematicamente, a aulas de matemática, física, química, biologia;
2. que metade dos alunos da escola pública que se inscrevem no vestibular tendem a ser aprovados e
3. que diante deste quadro, há iniciativas na própria UFPE de preparar alunos da escola pública para o vestibular e elas são realizadas por centros acadêmicos, departamentos e cursos.

Informo que mensagem com o mesmo teor está sendo enviada para a redação do DP, ASCOM UFPE e para a seção Carta ao Leitor.

Atenciosamente,
Silke Weber


Aguardemos a resposta...

2 comentários:

wellthon disse...

Eis um costume da imprensa brasileira, que acha que liberdade de imprensa é banalidade e falta de compromisso com a verdade fundada legitimidade de informações. As revistas sempre estão cheias de acusações e repetições de citações sem fundamentos.
Sinceramente, acho que sempre que coisas do tipo ocorrerem, processos deveriam ser movidos, pois a dimensão pública que erros como esse geram nunca possuem medidas de reparo á altura. Quantas pessoas abriram o jornal e tiveram informação errônea? Isso será reparado? Acredito que com uma ERRATA no fim da página.
Vide Folha Sp, Veja nesse período eleitoral.

Cynthia disse...

Verdade, Wellthon. Nessas eleições a norma tem sido a criação de escândalos e acusações, e pouco se discute em relação aos programas dos candidatos. Mas acho que ainda pior do que a Folha tem sido a posição da Veja. Jogo duro...

No caso específico dessa reportagem do DP, acho que não tem errata que dê jeito. Para começar, o jornalista cita uma pesquisa que ele define como uma "dissertação" de um graduando em economia, orientado por um professor da Física. Não fosse o tamanho da barbaridade, poderia colocar a UFPE numa tremenda saia justa. E, sinceramente, não entendo por que escalam jornalistas tão fracos para as reportagens locais. Tem tanto jornalista competente nessa cidade... Mas vale perguntar onde está a Ascom numa hora dessas.